Fala, pessoal, sejam bem-vindos à edição #14 da newsletter “dudu escreve”. É sempre um prazer ter vocês por aqui.
O texto de hoje só foi possível de ser escrito pela curiosa combinação de: ser dezembro, reflexões de bar, despedida de Gabigol e a ideia que tive no meu último emprego de ir em restaurantes de comida estrangeira no almoço das sextas-feiras pelo Centro que acabou levando a nossa equipe a conhecer um restaurante coreano na Rua Gomes Freire. Espero que o texto de hoje satisfaça o seu apetite como a comida que comemos naquele dia.
Dicas da edição #14:
Dica gastronômica: KIM POCHA 김 포차 na Av. Gomes Freire n° 176 C - Centro. Comida boa, preço razoável e sem frescura. Vale a pena.
Dica de filme: Vidas Passadas - Celine Song. Aproveitando a vibe coreana.
Dedicatória
Aos meus antigos colegas de trabalho que iam nos almoços “pelo mundo” comigo e aos amigos que seguem indo pelo Rio.
gabigol e costumes coreanos
Dizem por aí que “em dezembro todos os dias são sextas-feiras”. Eu senti exatamente isso quando fui ao Ximeninho da Glória depois do trabalho com meus amigos Luiz e Bruno para tomar uma(s) e jogar conversa fora em plena quarta-feira, para reencontrá-los depois de muito tempo sem ver as figuras. Basta sentar a bunda na cadeira de um barzinho qualquer aqui no Rio e olhar à sua volta para perceber que a energia de dezembro é realmente diferente. A sensação é que todos estão subindo a Vista Chinesa em um Golzinho duas portas lotado. Meio apertados, mas curtindo a linda paisagem. Lentamente. Até chegar ao topo.
Tinha gente voltando de uma festa no barco, perambulando de biquíni. Um cara que conheci na época de faculdade em um date com uma moça que conheceu no Bumble. Uma velha guarda com bigodes de causar inveja. Um ex-candidato a vereador pelo PSOL. Botafoguenses felizes com a incomum boa fase do clube. Tudo isso às nove da noite de uma quarta-feira.
Por outro lado, se você não sai para viver as 31 sextas-feiras de dezembro, a sensação é que todos os dias são domingos. Um incrível paradoxo que faz com que dezembro possa ser também o mais melancólico dos meses, sensação que eu tive na maioria dos dias do mês vividos até aqui já que, obviamente, não saí para viver a vida de sexta-feira na maioria deles.
Entrando nessa viagem paradoxal, consegui a proeza de sair em um domingo de sol de dezembro, de samba, de Flamengo e Maracanã e, ainda assim, viver uma melancolia gigantesca. Foi no fatídico dia 08/12, o famoso domingo passado, que foi o dia da despedida de Gabigol do Flamengo.
Mas, para isso, vamos voltar um pouco no tempo.
Estou longe de ser um grande admirador do homem. Bem longe. Desde a sua chegada, sempre tive muito pé atrás com o seu futebol e, principalmente, com a sua postura. Mas eu, que consigo separar facilmente o artista da obra, não precisaria gostar dele como pessoa se ele botasse a bola na casinha. Afinal, eu só quero o bem do Flamengo e não convidar o Gabigol para um churrasco.
Só que ele parecia ser apenas mais um marrento chegando na Gávea, mais um qualquer que, assim como muitos outros, não faria jus à camisa 9 do Flamengo, magoada há anos com atletas de pouca intimidade com a pelota.
A sorte foi que Gabriel entendeu que nada no Flamengo é pequeno, e parecia ciente desde o primeiro dia que seria difícil se destacar por aqui, como muitos tentaram e acabaram queimados ou saindo pelas portas dos fundos. Mas Gabigol estava destinado, PREDESTINADO, a fazer história no maior e mais popular clube do Brasil. Doa a quem doer. A história foi escrita. E certamente vocês a conhecem de cor e salteado.
E Gabriel, mesmo desacreditado, fez sua estrela brilhar em um último ato antes da saída. Pela porta da frente, como ele merece, porque conquistou esse direito. E vai embora com números gigantes, sendo colocado no primeiro escalão de atletas que vestiram a respeitada camisa rubro-negra e reverenciado até por Zico, o maior de todos.
Mas se nem Zico, nosso rei e maior ídolo, é maior que o Clube de Regatas do Flamengo, Gabriel também não é e nem será. Acredito, de coração, que hoje ele também sabe disso, mas que demorou para se tocar. Não que ele seja inocente na história, mas, infelizmente, na atual equação do futebol, o jogo é produto, estádio é “arena multiuso” e frequentado por poucos, jogador é máquina e a mídia é implacável. E isso, no clube mais popular do mundo, faz com que um cara como Gabigol seja a vítima ou o algoz perfeito.
Quando o juiz apitou pela última vez naquela tarde e eu vi que tinha chegado o fim da “Era Gabigol”, por algum motivo inexplicável, o que veio à minha cabeça foi o mural de fotos de um restaurante coreano que fui no Centro do Rio com meus colegas do trabalho na época. Não o mural inteiro, mas uma foto em especial, na qual um bebê parecia estar em sua própria festa, ainda muito pequeno de modo que sua cara parecia um joelho, e com diversas coisas ao seu redor, de difícil identificação pela má conservação da fotografia.
Perguntei à moça que estava nos atendendo quem era e ela disse que era o dono do recinto e que o motivo da foto era a comemoração do aniversário de um ano do moleque, o tal do dol janchi. Eu, obviamente, não decorei esse nome e só achei de novo quando cheguei ao escritório e joguei no Google “comemoração 1 ano coreia”.
Mas antes de voltar ao trabalho e enquanto a gente esperava a comida, ela me explicou que na Coreia do Sul existem duas festas clássicas na infância: o baek-il e o próprio dol janchi.
A primeira rola quando uma criança completa cem dias de vida e é realizada porque, em tempos remotos, a taxa de mortalidade infantil era alta, e alcançar os primeiros cem nesta existência era motivo de grande alegria. A mortalidade caiu, mas a cultura permaneceu. A segunda festa, como sabemos, é a celebração do primeiro aniversário do coreaninho, só que ela tem um ritual bem interessante. Pelo que ela me falou, em determinado momento da festa, que imaginei ser o de maior choro de fome ou sono da criança ou quando os adultos encheram o saco de socializar, eles espalham alguns itens ao redor de uma mesa (comidas típicas, maços de notas, etc) e colocam a criança para escolher um deles. O que a cria escolher, representará um possível caminho futuro, como riqueza, sabedoria ou longevidade.
Fiquei curioso para saber o que o dono da birosca tinha escolhido. Primeiro, a moça riu e disse que claramente não tinha sido o dinheiro, mas depois disse, com um carinhoso sorriso que fora um novelo de lã, que representava a vida longa. E saiu para buscar o nosso prato.
Agradeci pela comida e pelo ensinamento que eu nunca imaginaria que voltaria aos meus pensamentos em uma tarde de Maracanã.
Domingo passado, depois do final da partida e da rápida viagem à Coreia, desci as rampas completamente melancólico, apesar de, por fora, estar falando alto e sorridente sobre Flamengo e Gabigol. Por dentro, junto com a melancolia, eu levava a certeza que, em uma realidade paralela, Gabigol, como o coreano da Gomes Freire, também escolhera um novelo de lã, pintado de vermelho e preto em dia de dol janchi, para viver, para sempre, nos nossos corações.
Obrigado por chegar até aqui.
E esta foi a edição #14.
Nos vemos no dia 28/12, às 10h, na edição #15, a última!
Muito obrigado pela leitura!
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Gostei das estórias coreanas e misturadas com Gabigol e flamengo criaram uma bela filosofia. ❤️🖤😘💕
Você e suas reflexões! Bom demais ❤️