Fala, pessoal, sejam bem-vindos ao texto #1 da newsletter “dudu escreve”. É um prazer ter vocês por aqui.
O texto de hoje é em homenagem à Ana, minha mãe, que lia muito para mim quando eu era pequeno e é a maior responsável pelo meu interesse pela leitura e escrita. Um fato curioso sobre ela é que sofria MUITO para me colocar para dormir e sempre que as histórias dos livros do Ziraldo ou da Ana Maria Machado acabavam, eu pedia para que ela me contasse alguma “história da cabeça”. E ela contava. Sempre. Às vezes, inventávamos juntos, até que um dia fui eu que comecei a inventar as minhas e colocar algumas no papel.
Um dia espero poder contar e inventar histórias para e com a minha sobrinha Chloe, a quem dedico esse texto também. Como disse o escritor israelense Etgar Keret, que conheci recentemente através do meu amigo Henrique Korman, que me presenteou com um livro dele, a característica mais especial dessas “histórias da cabeça” é que elas não podem ser “compradas em loja e nenhuma” e são “só suas”.
Uma dessas minhas invencionices foi o Sikinofish, um animal muito feio, mas com muitas qualidades. Lembrei dele outro dia e resolvi desenvolver a sua personalidade nesse texto que apresento hoje para vocês.
Espero que gostem.
#1 - Sikinofish
Existe um bichinho, daqueles bem feinhos, que de tão feinhos chegam a ser bonitinhos. Quadrúpede de pernas compactas e torneadas. Asas fortes e pequenas, mas funcionais para alçar voos compridos. Cabeça lisa, com penas menores que as do corpo. Focinho arrebitado. Bico curto. Olhos fundos. Pescoço atarracado. Não há nada similar a ele. São pouquíssimos na Terra. Vivem mais de 80 anos e renovam-se em ciclos espaçados. Sua casa não é fixa. Habitam os cumes mais altos do planeta, visitando até a estratosfera de vez em quando. E também as fossas mais profundas dos oceanos. Os lugares mais inóspitos da imensidão dos nossos desertos. As florestas mais densas da nossa vasta flora. Quase ninguém os viu, mas muitos já ouviram falar.
Sikinofish é o nome da fera.
É um ser social. Cria laços fortíssimos com os outros de sua espécie. Mas apenas da sua espécie. Não vive sem amigos. Abraça. Beija. Dança forró coladinho. Sente saudade. Gosta de um carinho quando está carente. Faz drama quando se sente injustiçado. Chama atenção quando percebe que o outro deixou de lado ou parou de ter o mesmo cuidado ou carinho.
E tem uma característica muito peculiar: se apega fácil e loucamente, de um jeito que para desapegar é um Deus nos acuda. Não julgue o bichinho, ele nasceu assim, tadinho.
A mãe Sikinofish custa para liberar os filhotes do ninho. O pai Sikinofish sofre com a presença menos constante nas reuniões familiares. O irmão Sikinofish chora ao ver seu confrade trocando sua companhia pela dos amigos. Os namorados Sikinofish demoram para desatar laços que merecem ser cortados.
Mas todos precisam sair do ninho quando chega a hora. Respirar novos ares. Conhecer novas companhias e personalidades.
E aí é que vem o ensinamento mais difícil para um ser dessa espécie: saber amar sem prender.
Como disse, eles vivem muito, o que talvez seja até bom pelo fato de a sua característica mais marcante, ser também a mais demorada a ser aprendida, sentida e vivida da maneira saudável, como deve ser.
Porque amar também é saber soltar.
Saber deixar as asas baterem por outras cercanias. As suas e a do outro. Confiar. Ceder. Mas sem se humilhar ou chantagear. Admirar a individualidade do outro. E saber construir a sua. E quando não faz mais sentido estar junto, liberar as amarras que outrora foram refresco, conforto e morada. Amar tem que ser leve.
E isso vale para o filho ou filha. Namorado ou namorada. Marido ou mulher. Irmão ou irmã. De sikinofish, é claro.
E quando aprendem que grande parte de amar mora aí, o Sikinofish alcança seu estado fundamental. Uma superioridade que o faz descansar e torcer pelo outro sem temer ou lamentar. É uma pena que quando chegam a esse ponto, definham e desencarnam sem dar tempo de passar esse ensinamento essencial aos mais jovens, que são obrigados a adquirir essa sabedoria que só a vida, a convivência e a conversa podem dar.
Ame, deleite-se, seja feliz com o outro feliz, desfrutando a beleza da existência, respeite e saiba soltar. E também, se esses forem os seus termos, não aceite menos que isso. Tão importante quanto respeitar é exigir respeito. E viva a vida, como ela deve ser vivida, sempre bem acompanhado.
Foi um Sikinofish em seu leito de morte que me contou.
Para escutar depois de ler (prestando atenção na letra): A Sua - Marisa Monte
Agora sim começamos! Nos vemos no dia 29/06 na edição #2, sempre às 10h, na sua caixa de entrada!
Muito obrigado pela leitura!
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Temos muito o que aprender com o sikinofish❤️ Lindo texto!!