Nove de fevereiro de dois mil e vinte e cinco. Domingo de sol. 8h da manhã. Estou deitado no sofá após tomar um baldinho de café para aguentar o dia que me aguarda. De pernas para o ar, mas não por um bom motivo. Em meia hora terei que ficar de jejum por mais 2 horas. Vou fazer uma ressonância magnética do meu tornozelo direito. Estou desde sexta praticamente sem andar, me movimentando pela casa com a cadeira de escritório para não sentir desconfortáveis pontadas ao tocar o pé no chão.
A ocorrência foi na quinta-feira, no Aterro do Flamengo, onde joguei uma pelada a convite do meu ex-chefe. O sujeito do time adversário veio na maldade, na hora doeu, mas não dei muita importância e segui jogando por mais trinta minutos.
Mas quando esfriou, f…
Quando acordei na na sexta-feira e olhei para a bola gigantesca que tinha virado o meu tornozelo, apenas um pensamento veio na minha cabeça: fissura no 5º metatarso do pé direito.
Sim, a lesão do Neymar.
Não, ao que tudo indica eu não tive a mesma lesão, pelo menos foi o que disse o médico da emergência ortopédica. Em breve saberei, mas realmente acredito que a velha combinação de anti-inflamatório com gelo e minha fiel escudeira arnica vão dar um jeito nisso e em breve eu voltarei às canchas.
Mas quem volta aos gramados amanhã, pela segunda vez desde que voltou ao Brasil, é o meu companheiro de lesão Neymar Júnior. Estou longíssimo de ser um fã do cara, mas confesso que quando vi que a notícia da sua volta era real, a minha cabeça me levou de volta para o começo da minha adolescência.
Me levou de volta para a época que eu passei a ver futebol por livre e espontânea vontade e não mais porque meu pai me levava no jogo ou colocava na televisão, como que em cataquese. Nos idos de 2011, eu já era um ser humano que escolhia me alienar por 90 minutos para ver “22 homens correndo atrás de uma bola”. Principalmente nos jogos do Flamengo e da seleção brasileira. Coisa que faço até hoje. Porque, como disse Maurinho, o mais chato dos repórteres esportivos:
“o futebol é a melhor invenção do homem”
E me lembro bem como, nessa época, o Flamengo andava bem mal das pernas, e que, apesar de ter trazido o Ronaldinho Gaúcho, eu dava muito mais bola para dois craques: Messi e Neymar.
Messi é um daqueles escolhidos para ter um dom incontrolável, não existe nada igual a ele. Parecia uma entidade. Era mágico. Neymar era mais real. Um moleque, o “menino Ney”. Ousado e alegre. Da propaganda da Seara com o Ganso. Da Vila Belmiro. De uma deliciosa inconsequência ao jogar. Da Copa Libertadores, um sonho tão distante para um jovem rubro-negro que sofria ao ver o meu time perder de chilenos, argentinos e paraguaios. Neymar era a esperança do hexa, a renovação, o futebol arte, a volta do “futebol bonito” e o único da sua geração em condições de ser o melhor jogador do mundo.
Entenda, eu já gostava muito de futebol. Mas Messi e Neymar me fizeram amar e admirar. E isso ninguém vai tirar deles, nem de mim.
O implacável tempo passou e fez com que a minha idolatria passasse a ser apenas no futebol. Decisões erradas, muita farra, traições, confusões, posturas desprezíveis em campo e fora dele. Eu, antes de virar adulto, já me sentia mais gente grande que o eterno “menino Ney”.
Mas segui admirando a intimidade que tinha com a pelota. De longe. Vendo outros grandes jogadores superarem as suas conquistas, porque apesar de não serem melhores, eles eram muito mais dedicados que ele. Vinícius Júnior está aí para provar.
Até que depois de duas Copas perdidas e muitas lesões (uma das mais graves no mencionado 5º metatarso do pé direito) e polêmicas em Paris, Neymar trocou a França pela Arábia Saudita. Para ganhar mais dinheiro, é verdade, mas certamente também para se isolar. Se esconder. Dos holofotes é impossível, mas da pressão ele conseguiu. Jogou pouquíssimo e era evidente a tristeza no seu olhar ao perceber que apesar de ainda ser mentalmente um moleque, o seu corpo já era de um homem de trinta e poucos anos, longe do auge físico de um atleta.
Até que decidiu romper o contrato com os sauditas e voltar a Santos. Não acreditei e só confiei que era real quando ele entrou em campo no segundo tempo do jogo na última quarta-feira.
Já colocando gelo no pé, enquanto via os melhores momentos dele jogando com a eterna camisa 10 do Santos, realmente querendo jogo e aparentando estar feliz, o que me veio na cabeça foi a voz do Roberto Carlos cantando:
"Se você pretende saber quem eu sou
Eu posso lhe dizer
Entre no meu carro na Estrada de Santos
E você vai me conhecer
Você vai pensar que eu
Não gosto nem mesmo de mim
E que na minha idade
Só a velocidade anda junto a mimSó ando sozinho e no meu caminho
O tempo é cada vez menor
Preciso de ajuda, por favor me acuda
Eu vivo muito sóSe acaso numa curva
Eu me lembro do meu mundo
Eu piso mais fundo, corrijo num segundo
Não posso pararEu prefiro as curvas da Estrada de Santos
Onde eu tento esquecer
Um amor que eu tive e vi pelo espelho
Na distância se perderMas se amor que eu perdi
Eu novamente encontrar, oh
As curvas se acabam e na Estrada de Santos
Não vou mais passar”
E me emocionei. Confesso que idealizei uma reportagem da Globo, daquelas do Esporte Espetacular de domingo, citando os versos da música e mostrando cenas da vida do Neymar. Leia com calma a letra e veja se ela não combina com o momento.
Botei para tocar a música na voz da Paula Toller e recordei de como, quando eu era moleque, torcia por ele (menos contra o Flamengo), como depositei minhas esperanças nele nas Copas do Mundo, como fiquei triste por ele depois das derrotas e lesões e, principalmente, como ele me fez ficar apaixonado pelo bonito esporte bretão, que, a cada vez que ele tocava na bola, se tornava mais brasileiro.
E lembrei que ali também vive um ser humano, que nasceu com um dom incrível e que, justamente por esse dom, leva milhares de pessoas a ligarem suas televisões, saírem de casa, comprarem ingressos, camisas, chorarem com seus familiares e amigos, abraçarem, beijarem e levantarem quem quer que estivesse ao seu lado ao ver uma bola rolar no pé de um menino chamado Neymar.
Boa volta, craque. Com você, eu consigo separar o artista da obra.
dudu moraes
Até a próxima
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Gol de placa, Du. Vou olhar o Neymar com mais carinho. Boa recuperação. bj
Gostei do texto, mais una vez!! 👏❤️